WALKING AROUND THE SUN
Machines, spiders and buccaneers Curator / Curadora: Eduarda Neves Artists / Artistas: Amarante Abramovici Ana Guimarães e Tiago Veloso João Tabarra Manuel Santos Maia Reinhold Zisser Sérgio Leitão A spider / uma aranha Celeste Cerqueira Two buccaneers / dois corsários Bartosz Dolhun Rogério Nuno Costa curatorial project / projeto curatorial |
ANDANDO EM TORNO DO SOL
Máquinas, aranhas e corsários EXHIBITIONS / EXPOSIÇÕES
Vienna - 29/06/19 Notgalerie Athens - 6-29/07/19 Museum of Ancient Greek Technology, Kostas Kotsanas Porto - 13/09-13/10/19 Casa do Infante / Infante's House Lisboa 18/10-09/11/19 Torre de Belém / Belém Tower Karlsruhe 15-30/11/19 Karlsruhe University of Arts and Design (HfG) Porto 06-21/12/19 Panóptico - Centro Hospitalar Conde de Ferreira / Panoptic- Hospital Center Conde de Ferreira |
You, great star! What would your happiness be, if you had not those for whom you shine! For ten years you have come up here to my cave. You would have grown weary of your light and of this journey were it not for me, my eagle and my serpent. (...) I must descend into the dephts, as you do in the evening, when you pass beyond the sea and bring light even to the underworld, you superabundant star!
( Friedrich Nietzsche - Assim falou Zaratustra) |
Tu, grande astro! Que seria da tua sorte, se te faltassem aqueles a quem iluminas? Há dez anos que continuas a subir até à minha caverna. Se eu, a minha águia e a minha serpente não estivéssemos aqui, estarias cansado da tua luz e deste trajecto.(...)Preciso descer às profundidades, como tu fazes todas as noites, quando mergulhas para além do mar levar a tua luz ao mundo subterrâneo, astro que tudo superas!
( Friedrich Nietzsche - Assim falou Zaratustra) |
In Greek mythology, Europa, a princess, daughter of Agenor, king of Phenicia, was kidnapped by Zeus. To prevent Hera, her jealous wife, from knowing about it, he took the form of a blue-eyed white bull and layed down in the meadow while Europa strolled with her ladies-in-waiting. Delighted with the calm and affection of the animal, the princess came close and caressed the bull. Suddenly, he grabed her and flew away, taking her to Crete where they lived since then. From the history of a myth, which is also the story of a theft, to Beuys' Eurasia, it is the complex narrative of the Old Continent which is presented to us: from a Europe that was stolen to a stealing Europe. If Tiziano, Claude Lorrain, Rembrandt or Luca Giordano painted The Abduction of Europa, thus recreating the Greek myth, also Joseph Beuys, through a manifesto, would found the fictitious state of Eurasia, an open territory without physical or dogmatic boundaries. It was the geographical representation of a utopia, a place still to be occupied. In the context of his performances between 1963 and 1968, he proposed Eurasia as a geographical vision and, at the same time, as a new and complex artistic identity that was not only territorial or self-sufficient, but also centered on the world and man. From Eurasia - the 34th movement of the Siberian Symphony 1963 to Eurasienstab fluxorum organum op. 39, in the words of Beuys, the revolution is us.
In 2008 and in the context of Manifesta 7, this project would be the subject of an exhibition project by Achille Bonito Oliva, which, with the collaboration of several curators[1], presented the exhibition Eurasia. Geographic cross-overs in art. Reflecting upon the artistic landscape of the territory we call Eurasia and proposing a historical re-reading of Joseph Beuys program, the connections between Europe and Asia, multiculturalism and the expanded concept of art or the growing attention to social problems, the curator sought to find these lines of strength reflected in a young generations of artists. The operativity of Beuys' work allows us to keep thinking with him and from him, allows us to think of a heterotopic becoming for Europe. As Jacques Attali pointed out, will Europe re-found its constitutive myth with the consequences that will follow for herself and for the world?[2] If in the Middle Ages one of the forms of exclusion would be to embark the madmen on certain ships, it was at sea that the old navigators sought the good health that they could not find on land. In common they have this kinship, the possibility of going and not returning. As a boundary between water and land, boarding and ship are figures of the beyond, the possibility of a dehors: "the boat is a floating piece of space, a place without a place, that exists by itself, that is closed on itself and at the same time is given over to the infinity of the sea (...). You will understand why the boat has been for our civilization, from the sixteenth century until the present, ... the greatest reserve of imagination. The ship is the heterotopia par excellence. In civilizations without boats, dreams dry up, espionage takes the place of adventure, and the police takes the place of buccaneers" [3]. Which intensities do we find in Europe today? Are we facing a model of repression for our desiring machines that disinvest in the socio-historical field? How to invest the desire for revolutionary force and abandon the superior man, the humanist grammar of an aged writing machine? How to dethrone the Great Empire, the Great Significant, and keep with the active force of the cult of error, as Nietzsche called the invention of art? The liberation of Ariana, the spider that holds the thread in the labyrinth, supposes the Nietzschean appeal that we hang with this thread, meaning that we free ourselves from the ascetic ideal, from moral disguise. No longer the superior man but the agile man. Ariana forgets Theseus and Dionysus-Taurus becomes the labirinth itself. No longer that of knowledge or morals, but the labyrinthic ear that listens the yes to life. The leveling of the European man is that of the man "who makes himself better. We see nothing that magnifies itself, everything becomes harmless, mediocre, prudent, indifferent (...). Europe ceased to fear man, stopped loving him, worshiping him and hoping for him. Man's appearance fatigues us. (...) Man is weary of man." [4] To keep the active force of the cult of error, as Nietzsche called the invention of art, and to appropriate the philosophical mood of Montesquieu's Persian Letters, is what constitutes our "kitchen of sense." Let us be Rica and Usbek, the imaginary Persians of this prodigious book. On the same Earth but with different men. Earth rotates around the Sun. And we spin with it, west and east. [1] Lorenzo Benedetti, Iara Boubnova, Cecilia Casorati, Hu Fang, Christiane Rekade, Julia Trolp. [2] Jacques Attali - Europe(s). Paris: 1994, p. 9. [3] Jacques Attali - Europe(s). Paris: 1994, p. 9. [4] Friedrich Nietzsche - A genealogia da moral. Lisboa: Guimarães Editores, 1980, p. 36. |
Na mitologia grega, Europa, princesa filha de Agenor, rei da Fenícia, foi raptada por Zeus. Para evitar que Hera, a sua mulher ciumenta, soubesse, assumiu a forma de um touro branco de olhos azuis e deitou-se no prado enquanto Europa passeava com as suas damas de companhia. A princesa, encantada com a calma e o afecto do animal, aproxima-se e acarinha-o. Subitamente, o touro desata a voar raptando-a. Leva-a para Creta onde viveram desde então. Seja a história de um mito, que é também a história de um roubo, ou Eurasia de Beuys, é da complexa narrativa do Velho Continente que se trata: de uma Europa que foi roubada a uma Europa que roubou. Se Tiziano, Claude Lorrain, Rembrandt ou Luca Giordano pintaram O Rapto da Europa, assim recriando o mito grego, também Joseph Beuys, através de um manifesto, fundaria o estado fictício da Eurásia, um território aberto, sem fronteiras físicas ou dogmáticas. Era a representação geográfica de uma utopia, um lugar ainda a ser ocupado. No contexto das suas performances, entre 1963 e 1968, propôs a Eurásia como uma visão geográfica e, ao mesmo tempo, uma identidade artística nova e complexa que não era apenas territorial ou auto-suficiente, mas centrada no mundo e no homem. Desde Eurasia, 34º movimento da Sinfonia Siberiana, até Eurasienstab fluxorum organum op. 39, que, nas palavras de Beuys, a revolução somos nós.
Este projecto viria a ser, em 2008 e no contexto da Manifesta 7, objecto de um projecto expositivo de Achille Bonito Oliva, que, com a colaboração de diversos curadores[1] apresentou a exposição Eurasia Geographic cross-overs in art. Reflectindo sobre a paisagem artística do território que designamos por Eurasia e propondo ainda uma releitura histórica do programa de Joseph Beuys, as conexões entre a Europa e a Ásia, o multiculturalismo e o conceito ampliado de arte ou a atenção crescente aos problemas sociais, o curador procurou encontrar estas linhas de força reflectidas nas jovens gerações de artistas. A operatividade da obra de Beuys permite-nos continuar a pensar com ele e a partir dele, pensar num devir heterotópico para a Europa. Se na Idade Média uma das formas de exclusão seria a de embarcar os loucos em certos navios, foi no mar que os antigos navegadores procuraram a boa saúde que não encontravam em terra firme. Em comum têm esse parentesco, a possibilidade de ir e não voltar. Como limite entre a água e a terra, o embarque e o navio são figuras do além, a possibilidade de um dehors: “o barco é um pedaço flutuante de espaço, um lugar sem lugar, que vive por si mesmo, que é fechado sobre si e que é deixado, ao mesmo tempo, ao infinito do mar (...). Compreendem porque é que o barco foi para a nossa civilização, desde o século XVI até aos nossos dias, (...) a maior reserva de imaginação. O navio é a heterotopia por excelência. Nas civilizações sem barcos os sonhos secam,a espionagem substitui a aventura, e a polícia, os corsários”[2]. Como assinalou Jacques Attali, será que a Europa vai refundar o seu mito constitutivo com as consequências que daí advirão para si própria e para o mundo?[3] Que intensidades encontramos, hoje, na Europa? Estaremos perante um modelo de repressão para as nossas máquinas desejantes que desinvestem no campo sócio-histórico? Como investir o desejo de força revolucionária e abandonar o homem superior, a gramática humanista de uma máquina de escrita envelhecida? Como destronar o Grande Império, o Grande Significante e manter a força activa do culto do erro, tal como Nietzsche chamou à invenção da arte? A libertação de Ariana, a aranha que mantém o fio no labirinto, supõe o apelo nietzscheano para que nos enforquemos com esse fio, ou seja, nos libertemos do ideal ascético, do disfarce moral. Já não o homem superior mas o homem ágil. Ariana esquece Teseus e Diónisos-Touro torna-se o próprio labirinto. Já não o do conhecimento ou da moral mas a orelha labiríntica que escuta o sim à vida. O nivelamento do homem europeu é o do homem “que se faz melhor. Nada vemos que se engrandeça, tudo se torna inofensivo, medíocre, prudente, indiferente (...). A Europa deixou de temer o homem, parou de o amar, venerar e esperar dele. O aspecto do homem fatiga-nos. (...) O homem fatiga-se do homem.”[4] Manter a força activa do culto do erro, como chamou Nietzsche à invenção da arte e apropriarmo-nos do humor filosófico das Cartas Persas de Montesquieu, constitui a nossa “cozinha do sentido”. Sejamos Rica e Usbek, os persas imaginários desse livro prodigioso. Na mesma Terra mas com homens diferentes. A Terra gira em torno do Sol. E nós com ela, a ocidente e a oriente. Eduarda Neves |